Nos anos 1972, eu então com 12 anos de vida conheci a criatura mais linda que Deus já pôs na face desse imenso planeta: era Morgana, uma cigana que chegou com sua família e acamparam nos arredores de Pedra Branca-CE, cidade onde nasci e fui criado. Os moradores do local não gostavam dos ciganos; os maltratavam de todas as formas, até ao ponto de feri-los mortalmente.
Eu gostava muito deles; visitava o acampamento diariamente; ficava deslumbrado com sua sabedoria e suas vestimentas; aquela cultura me impressionava muito; minha mãe reclamava o tempo inteiro, pois não aprovava minha interação com "aquele povo estranho e perigoso". Depois de muita peleja a convenci de que eram seres humanos como nós e careciam de nossa solidariedade e ajuda; então ela se comoveu e resolveu que eu poderia continuar com minhas visitas ao local e até levar alimentos e roupas para eles.
Foi nessas andanças pelo acampamento que consegui conquistar o "bem querer" de todos e conheci Morgana, a pessoa mais incrível e bela que já surgiu nesse infinito universo; era uma "deusa"; poucos tinham o privilégio de por os olhos naquela beleza perfeita, pois só quem entrava no interior daquela morada poderia vê-la rapidamente quando tinha que sair da tenda pra caminhar um pouco e pegar sol; fiquei deslumbrado com aquela visão que parecia um sonho; logo me apaixonei ou sei lá o que senti naquele momento. Ela já era "mulher feita", eu, um "pivete"; evidente que nem me percebeu. Como poderia me notar, sendo apenas um simples garoto? Tentei me aproximar para lhe falar qualquer coisa ou fazer algum gesto que a fizesse me notar de quaisquer formas, mas para minha tristeza uma senhora ordenou que ela entrasse e fechasse a tenda imediatamente. Fui embora dali tristonho; ao chegar em casa minha mãe percebeu que eu não estava normal e veio saber do que se tratava. Conversamos muito; falei sobre o motivo da minha tristeza e agonia, porque conheci aquela moça e logo me apaixonei por ela, mas não tive chance de algo mais além de somente vê-la. Minha mãe argumentou que eu só tinha 12 aninhos, era apenas um garotinho, esquecesse isso que em pouco tempo essa aflição acabaria; retruquei e a lembrei que ela casou-se aos 13 anos de idade e que ninguém manda no coração nem no destino.
Nos dia seguinte me enchi de coragem e voltei determinado a falar com aquela pessoa que me deixou tão atordoado no dia anterior; chegando ao acampamento fui direto para a tenda onde ela morava; bati palmas e uma senhora muito bonita, mas não simpática, veio me atender e saber qual o motivo da minha visita inesperada, ainda mais de um garoto; com a voz firme, mesmo que forçosamente, após cumprimentá-la fui direto ao assunto:
- Ontem estive aqui e vi uma moça que imagino ser sua filha, pois parece muito com a senhora; então voltei, porque preciso muito falar com ela, se ambas permitirem, claro; ela já estava bem mais simpática, a ponto de elogiar-me pela minha educação e coragem de vir ali com tal proposta, visto que ela e seu marido protegiam aquela princesa com muito cuidado e rigor; consegui sua permissão, mas ela ainda argumentando sobre o que um simples garoto teria algo tão importante para dizer à sua filha; não me permitiu entrar na tenda e então a chamou:
- Morgana, venha aqui que esse moço quer dizer-lhe algumas palavras; sentem-se ali naquele tronco e fiquem à vontade, mas não tanto, estarei observando.
-Bom dia Morgana, ouvi sua mãe chamá-la por esse nome; já vim aqui várias vezes, porém não a vi, exceto ontem pela manhã quando você surgiu em minha frente como um relâmpago que logo sumiu, mas deu pra eu ficar encantado com sua beleza e suavidade, o que deixou-me completamente apaixonado e atordoado e a partir de então não consegui mais ficar bem; algo me corroia por dentro; não sei explicar esse sentimento; agora que estou aqui ao seu lado me sinto bem melhor e feliz; você deve estranhar que uma pessoa muito jovem como eu venha lhe falar desses assuntos de adulto, mas acho que o amor não escolhe idade; sei que tens alguns anos a mais do que eu e não sentes o mesmo que sinto por ti; não sei se isso tem muita importância; não vejo problema se for somente entre nós; esse amor, essa paixão, se conseguir conquistá-la, a diferença de idade realmente não importa; a questão é que as pessoas se preocupam muito com a vida das outras, principalmente nos relacionamentos amorosos.
-Estou impressionada com você; como falou tenho muito mais idade e também experiência; já conheci outros homens até mais velhos que eu dizendo me amarem, mas nenhum com sua sabedoria, romantismo e coragem; me encantei com seu jeito de ser; eu gostaria muito de ter ao meu lado uma companhia como a sua, mas sabes que não daria certo, pois temos culturas totalmente diferentes; os dois lados de nossas famílias não aceitariam tal união; no entanto quero que venhas visitar-me sempre; gostei bastante da nossa conversa e mais ainda de ti; depois de hoje meus pais ficarão mais rígidos com com suas andadas por aqui, mas não se preocupe que falarei com eles e os convencerei a aceitá- lo em nossa comunidade; quanto ao seu sentimento por mim, respeito demais e espero, um dia, retribuir-lhe... o destino é quem comando tudo.
Convivemos com aqueles encontros felizes por um bom tempo; já tinha até falado para minha mãe que qualquer dia iria embora com Morgana; ela quase enlouqueceu com essa história. Como o destino é incerto e em algumas vezes, traiçoeiro e cruel, como já tinha amadurecido a ideia de partir com os ciganos, porque já sabia que a polícia estava prestes a expulsá-los por pressão daquela sociedade hipócrita, me preparei pra acordar cedo e seguir viagem com a tribo cigana. Para minha surpresa e tristeza, os policiais agiram logo na madrugada e expulsaram todos; alguns nem tiveram chance de levar seus pertences; quando cheguei e vi só o local do acampamento entrei em desespero e saí correndo atrás da caravana, que já estava a algumas léguas adiante; ainda corri cerca de uns dez quilômetros, mas a exaustão e emoção me impediram de continuar. Até hoje lamento a perda da minha amada cigana Morgana.
Mauro Souza
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